Entenda a relação entre o Baphomet de Eliphas Levi e as esferas cabalísticas do Tarot.

A CABALA HERMÉTICA E O BAPHOMET DE ELIPHAS LEVI:

UMA ABORDAGEM INTRODUTÓRIA

(Ensaio)

 

            Mas, ora! Que ousadia sobrepor a Árvore da Vida à imagem tão lúgubre e fascinante do bode de Eliphas Levi! Na verdade não sei ao certo se isto é correto, mas as conclusões desta abordagem deverão dar as respostas; contudo, os efeitos de um exercício cabalístico como este deveriam ser bastantes luminosos, apesar daquela figura ser tão negra que absorve muitas luzes de conhecimentos que se queira projetar sobre ela. É bem provável que as abstrações da mente sobre esta imagem retornem, com muita força, ao dono das conjecturas. Outrossim, não seria esperado que a pesquisa fosse bem-sucedida por inteira, visto que a natureza de um mistério, sendo originário de Deus, no significado próprio da palavra, deixa suspenso o real significado, trazendo mais dúvidas do que certezas. Então, a luminosidade que este ensaio pretende formar está mais para um exercício intelectual do que para a realização de descobertas fixas.

 

            Outrossim, sendo o diabo “o pai da mentira”, avaliamos que todo o cuidado seja pouco, de modo a não sermos conduzidos por perspectivas falsas, tomando-as como verdadeiras. Para ilustrar isso, Eliphas Levi disse que o pentagrama voltado para cima, inscrito na testa da imagem é um símbolo de luz; mas, também disse que faz parte da tradição da alta magia que os pentáculos perdem toda a sua virtude quando aquele que os traz entra numa casa de prostituição ou comete adultério; em outras palavras, o Tetragrammaton perde o seu efeito quando é violentamente profanado.

 

            Pois bem, agora vamos desenrolar a figura do Baphomet, o terrível ídolo dos templários.

 

            Por que esta imagem é tão feia e, ao mesmo tempo, tão sedutora?

 

            Em resposta a esta questão, recordo-me do ritual iniciático “escocês”, o qual insere o postulante a aprendiz em um cubículo escuro, com apetrechos diversos, enigmáticos, tais como crânios humanos e elementos alquímicos misteriosos, sugerindo venenos; e aquelas frases escritas nas paredes, com fortes alertas e sugestões psicológicas, as quais indicam que seria melhor a decisão de dar um passo atrás e desistir daquela aventura. Melhor assim, voltar para a casa, em vez de embrenhar-se na “senda oculta”. Durante o avanço da sessão ritualística, também é típico o uso da venda, a guarda do silêncio, os barulhos infernais e o pé descalço, tudo isso para criar uma atmosfera de perigo, mas tudo justificado pelas razões esotéricas. Mas, de fato, onde estaria o perigo eminente se se está sob a guarda de homens confiáveis, presentes no recinto, e prontos para aceitar o iniciado como um novo irmão? Segue, então, os gracejos, as recomendações e o clássico questinamento: “você está pronto para montar no bode?"

 

            A sedução pelo o que está “oculto” vem de uma atmosfera especial, única, que encontra o seu maior argumento na possibilidade de se poder conhecer o desconhecido. É tal como uma mulher atraente, que pelos vislumbres das fendas do seu vestido, faz a imaginação maquinar o que o íntimo deseja conhecer de perto.

 

            Devemos ter em mente que a sessão ritualística programada e executada com sucesso deverá abrir, com o tempo, muitas das portas da noite dos Mistérios. Espera-se encontrar os luminares no fim de cada “caminho” contemplado, mas também poderá fazer perder-se para sempre uma alma curiosa. E, a alma reflete: onde será que eu estou entrando?... Será que ser um esotérico é o mesmo que abraçar a doutrina do diabo?

 

            Publicou Eliphas Levi, em Dogma & Ritual de Alta Magia, que é um livro de Tarot:

 

            “O diabo, em magia negra, é o grande agente mágico empregado para o mal por uma vontade perversa”. No texto, poucas linhas à frente, adverte: “Quando uma pessoa chama o diabo com as cerimônias consagradas, o diabo vem e ela o vê”.

 

 

A ANATOMIA E A PERSONALIDADE DO DIABO

 

            Sob a instrução de E. Levi, o diabo é uma quimera, o fantasma de todos os espantos e o dragão de todas as teogonias: é o Arimã (dos persas); o Tifão (dos egípcios); o Pitão (dos gregos). É a antiga serpente dos hebreus, e pior do que tudo isso, é o Baphomet dos templários (o ídolo barbado dos alquimistas; o deus obsceno de Mendes), o bode do Sabbat.

 

            Conforme uma breve pesquisa no ambiente virtual, eis os retratos do Diabo:

 

  • Arimã: deus das trevas, da destruição, da morte e do mal para os seguidores do Zoroastrismo. Corruptor, engana os homens com desejos que os desviam da trilha da verdade. É semelhante ao Satã cristão;

 

  • Tifão: identificado como sendo Set, o opositor de Osíris, foi descrito por Hesíodo como tendo mãos fortíssimas; pés incansáveis; cem cabeças com línguas negras. Dos olhos jorravam chamas brilhantes; ora mugia como um touro selvagem, ora um rugido de leão e, por vezes, o ladrar de um cão. Tifão, filho de Gaia e Tártaro (na mitologia grega) é uma besta que nasceu para dar fim a Zeus e ao Olimpo (em linguagem atual, para dar fim a Deus e ao Céu Divino);

 

  • Pitão: uma serpente gigantesca (filho de Gaia) que nasceu do lodo da terra após o grande dilúvio. Foi morta por Apolo e seu corpo esquartejado;

 

  • O carneiro de Mendes (uma cidade do antigo Egito): um antropomorfismo, de nome Banebdjedet, com quatro cabeças de carneiro, foi incorporado aos quatro primeiros deuses do antigo Egito (Osíris, Geb, Shu e Rá-Atom). Foi considerado o pai de Hórus, logo, formava a trindade mendesiana: Banebdjedet, Ísis e Hórus. Segundo um mito, Banebdjedet foi consultado pelo “Tribunal Divino” para julgar entre Hórus (o Bem) e Set (o Mal), para o trono dos deuses, ocasião na qual sugeriu que Set recebesse o trono, pois seria o irmão mais velho. Por isto, foi associado a Satã.

 

            Sim, os templários o adoravam! Mas não ao que nós pensamos ser o diabo, mas Pan, o deus das escolas de filosofia moderna, dos teurgistas de Alexandria e dos místicos neo-platônicos. E, por mais espantosa que possa ser esta declaração: “seria imagem do próprio Cristo, nas suas diversas transformações, ao seguir as fases do simbolismo e do dogma, quer na Índia, quer no Egito ou na Judeia”.

 

            Conforme convenção cabalística, o Baphomet dos templários deve ser soletrado e lido ao contrário: TEM-OHP-AB, o que significa “Templi omnium hominum pacis abbas” (traduzido por: "O pai do templo, paz universal dos homens"). E hoje, conforme as deturpadas visões dos investigaroes, na maioria não-iniciados, influenciados pelos seus sistemas interpretativos, o Baphomet seria ou apenas uma imagem com uma cabeça monstruosa, ou um demônio, ou um hieróglifo ou o próprio diabo.

 

            Eliphas Levi explica:

 

            “O touro, o cão e o bode são os três animais simbólicos da magia hermética na qual se resumem todas as tradições do Egito e da Índia. O touro representa a terra ou o sal dos filósofos; o cão é Hermanubis, o Mercúrio dos sábios, o fluido, o ar e a água; o bode representa o fogo, e é, ao mesmo tempo, o símbolo da geração”.

 

            “Na Judeia, eram consagrados dois bodes, um puro, outro impuro. O puro era sacrificado em expiação dos pecados; o outro, carregado por imprecação destes mesmos pecados, era enviado em liberdade ao deserto (...) Ora, todos os padres que se ocuparam do simbolismo judeu reconheceram no bode imolado a figura daquele que tomou, dizem eles, a própria forma do pecado. Logo, os gnósticos não estavam fora das tradições simbólicas quando davam ao Cristo libertador a figura mística de um bode”.

 

            A imagem traz na fronte o signo do Pentagrama, um símbolo de luz, visto estar apontado para cima; faz com as mãos o sinal do “Ocultismo”; e mostra em cima uma lua branca e embaixo uma lua negra. Este sinal exprime um perfeito acordo da Misericórdia com a Justiça, mas com sinais invertidos, onde são injustiçados os bons e exaltados os maus. (Observação: a sobreposição que nós fizemos da Árvore sobre o Baphomet de Levi não revela isto com exatidão, mas respeitamos, obviamente, a intenção da fonte. O simbolismo das luas esconde significados concretos, que se revelam, independentemente de estas estarem alinhadas, ou não, com a Árvore).

 

            E prossegue: “O facho da inteligência que brilha entre os seus chifres é a luz mágica do equilíbrio universal; é a alma elevada acima da matéria, embora esteja presa à matéria, assim como a chama está presa ao facho. A cabeça horrenda do animal exprime o horror do pecado, de que só o agente material, único responsável, deve para sempre sofrer a pena: porque a alma é impassível por sua própria natureza, e só chega a sofrer, materializando-se. O caduceu que está em lugar do órgão gerador, representa a vida eterna; o ventre coberto de escamas é a água; o círculo que está em cima é a atmosfera; as penas que vêm depois são o emblema do volátil; depois, a humanidade é representada pelos dois seios, e os braços andróginos desta esfinge as ciências ocultas” (Solve et Coagula).

 

 

A ÁRVORE SOBREPOSTA AO BAPHOMET

 

            Agora que temos uma boa noção sobre o hieróglifo de Eliphas Levi, podemos avançar com mais segurança na proposta deste trabalho. E, para tanto, podemos encontrar apoio na cabala hermética dos maçons e dos rosa-cruzes, que nos ensinam que a Árvore da Vida deve ser estudada sob as óticas do corpo humano, da Natureza (que é o Cosmos) e do Corpo Divino. Sendo assim, por que não fazer o esforço por compreender os galhos da Árvore a partir de um símbolo misterioso, plenamente relacionado às ciências esotéricas? Certamente, um trabalho muito complexo, visto que a Cabala Hermética, em si mesma, é bastante erudita; e, quando aplicada sobre um hieróglifo, a correlação fica ainda mais difícil.

 

            Como se percebe na figura apresentada no início deste artigo, a Árvore tem um encaixe perfeito sobre a imagem do Baphomet:

 

  • Inicialmente, podemos perceber no aspecto geral da figura a totalidade dos princípios herméticos: do Mentalismo, da Correspondência, da Vibração, o princípio da Polaridade, do Ritmo, da Causa e Efeito e o princípio do Gênero. A chama da tocha pode ser inscrita na esfera de Kether (que é a chama infinita; contudo, associa-se à Criação dentro de uma perspectiva onde a Lei Universal se concretiza de modo "divergente", onde, por exemplo, o Poder não emana da Moral, mas da corrupção, tal como vemos no ambiente político, onde indivíduos são notados com extremo sucesso, sem necessariamente ter mérito para tanto);
  • As duas luas, obviamente, estão com a sua luminosidade invertida: a Luz de Binah deveria ser negra, mas apresenta-se luminosa, o que sugere um Saturno que não tem força para filtrar as impurezas morais, um espírito corrompido que deixa passar pelo seu posto de fiscalização qualquer tipo de energia, seja boa ou má; mais abaixo, outra lua que deveria ser clara, apresenta-se negra, visto que os fundamentos que regem os sonhos da humanidade têm pouco valor, ou pouco brilho, e também predispõem a dar forma material aos ERROS);
  • Os chifres se alinham com Chokmah e Binah. Estes representam as duas "colunas do Templo", mas aqui, ao invés de serem desenhadas conforme os padrões estéticos da perfeita arquitetura simbólica, são como chifres, ou seja, crescem naturalmente, de modo anárquico, sem leis que os regem, e se configuram de modo errático, pois adquirem o seu desenvolvimento a partir de alimentos que não são de ordem espiritual, mas sim de princípios falíveis do materialismo;
  • O pentagrama e os olhos estão na posição do abismo de Daath, e não poderia ser diferente, visto que a Lei Universal, independentemente do prevalescimento do pecado sobre a Terra, continua sendo imutável e perene dentro da eternidade. O detalhe é que estes "olhos que tudo vêem" observam as estruturas universais do Caos e não da Ordem!
  • Em outro detalhe, notamos que a Esfera de Chesed, que é o espírito da Misericórdia, está vazia! E ainda encoberta pela sombra de uma asa negra;
  • A mão direita está em Geburah, a esquerda em Netzach. A mão direita, com a inscrição SOLVE, evoca o espírito da INJUSTIÇA; e a outra mão, com a inscrição COAGULA, repassa esta injustiça para a esfera da pureza (de Netzach), o que predispõe à instalar-se na Terra impurezas morais e materiais. Agora, a humanidade não dispõe mais da ESPERANÇA como uma virtude da Fé, pois o que está em jogo não é a purificação espiritual, mas sim os interesses materiais, o que inclui os planos de corrupção;
  • No centro da imagem está o coração solar de Tipharet. Aqui, no Baphomet, os deuses sacrificados não conseguiram atingir os corações dos homens, pois estavam duros demais. O apego à matéria densa e o desejo por riquezas os solidificou;
  • O órgão gerador está na posição de Yesod, onde ERROS são gerados e percebidos como o BEM, e VIRTUDES são semeadas como sendo o MAL. Exemplo disso é o permanente choque entre as forças do Comunismo e do Conservadorismo;
  • Os pés enfim tocam Malkuth, que é a Terra e o Universo, como um todo. Estes pés, que na verdade são cascos, simbolizam a difícil missão de pisar no terreno material. São cascos porque melhor se adaptam aos ambientes pedregosos da vida.

           

Obviamente, há outros pormenores que não devem ser desconsiderados, afinal, como diz o ditado: “o diabo mora nos detalhes”!

 

           

CONCLUSÕES

 

            Como foi explicado por nós e pelo próprio Eliphas Levi, o Baphomet não é necessariamento o diabo, é um fabuloso hieróglifo, antropomórfico, não demoníaco, pois trata-se de um conjunto de conhecimentos místicos. Por outro lado, se juntarmos as energias dos pecados, da corrupção, da feiura e da injustiça em um só conceito, poderíamos, sim, chamar ao conjunto de DIABO.

 

            Nem tudo o que é feio é, necessariamente, mal. A feiura da imagem deve ser desconsiderada. Eliphas Levi acreditou que Satã não pode ser uma personalidade superior, nem potência. O diabo é, na verdade, a personificação de erros, perversidades e fraquezas.

 

            A natureza e a personalidade do diabo estão intrinsicamente ligadas aos dogmas religiosos e às crenças culturais. A partir disso, nós concluímos que se trata de uma questão ampla, de ordem científica multidisciplinar; aqui, nós abraçamos somente a perspectiva esotérica sobre o tema.

 

            Os componentes simbólicos que configuram o hieróglifo negro foram bem explicados por Eliphas Levi.

 

            A Árvore da Vida pode, sim, ser sobreposta ao Baphomet. O desenvolvimento de um trabalho deste porte deverá considerar a noção de pecado, as visões das escolas de Mistérios, postulados herméticos, tradições religiosas antigas e outras vertentes do conhecimento esotérico.

 

            Como anotação à parte, apontamos que a imagem do Baphomet foi, e ainda é, adaptada aos muitos rituais dos satanistas e/ou de magia negra. Os porquês desta adoção não foram investigados, mas podemos conjecturar a total falta de compreensão do símbolo, somada às evidências de baixa intelectualidade dos seus adotantes.

 

             Aparentemente, basta inverter o pentagrama e pronto, teremos construído a imagem do anti-Cristo!

 

 

Prof. Luciano Kravetz, Mestre esotérico.

 

REFERÊNCIAS

LEVI, Eliphas. Dogma e ritual de alta magia. São Paulo: Pensamento, 1997.

TRÊS INICIADOS. O Caibalion. São Paulo: Pensamento, 2016.

Site: egyptian-gods.org/egyptian-gods-banabdjedet/

Wikipedia.